A Justiça comum aceitou acusações do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e tornou réus três policiais, um major, um capitão e um cabo, por envolvimento em mortes com indícios de execução ocorridas durante a Operação Verão 2023/2024 . As denúncias foram apresentadas à Justiça em dezembro de 2024, mas os casos ocorreram em fevereiro de 2024.
A Operação Verão foi considerada a segunda mais letal da polícia paulista, atrás apenas do Massacre do Carandiru, resultando em 56 mortes. Sua ocorrência, assim como a Operação Escudo, de julho a setembro de 2023, marcaram a retomada de uma postura da corporação com mais valorização do confronto, o que tem levado ao aumento da letalidade policial no estado e a denúncias por servidores da saúde. Uma denúncia contra dois policiais militares já havia sido aceita em novembro de 2024 , relacionada à mesma operação.
As investigações sobre o caso têm sido motivadas pela atuação de organizações da sociedade civil que acusam a falta de transparência nas ações e excessos nas abordagens realizadas durante as grandes operações policiais em São Paulo, o que motivou uma denúncia à Organização dos Estados Americanos (OEA). O próprio MPSP encerrou 17 de 22 processos de investigação relacionados à Operação Verão, no final do ano passado.
A primeira denúncia aceita envolveu o policial Rafael Cambui, processado pela morte de Luan dos Santos, um homem que estava na garupa de uma motocicleta na cidade de Santos. O Ministério Público alega que Rafael ocultou informações sobre a ocorrência, tendo disparado sem aviso e sem chance de defesa à vítima, que estava desarmada. Segundo o MP, o policial disse que perseguia o acusado, em viatura, pois este e o condutor da motocicleta iam roubar outro motociclista, e que a vítima deu sinais de estar armada, ao pegar algo no bolso do casaco.
De acordo com a versão do PM, o disparo foi acidental, mas a vítima, após ser atingida, arremessou um objeto (supostamente uma arma) em um rio próximo. Conforme a peça de acusação, os ferimentos da vítima não parecem ter ocorrido com os veículos em movimento e o homem atingido não teria condições de arremessar algo após os ferimentos. "Além das testemunhas condutoras das duas motocicletas, incluindo um policial civil, afirmarem que o ofendido não estava armado, o laudo médico-legal concluiu que a vítima estava impossibilitada de lançar um objeto no rio e de posicionar-se sentada no chão".
O MP destacou ainda que os policiais não poderiam realizar perseguição naquelas condições e deveriam ter pedido reforço para cercar os suspeitos e salvaguardar as vidas de todos. A morte de Luan, no mesmo dia da abordagem do policial, ocorreu no dia 16 de fevereiro do ano passado. O outro policial militar envolvido, Thales de Abreu Garcia, era o motorista da viatura e não foi acusado pelo Ministério Público.
O segundo caso, que envolveu os policiais Nielson Barbosa Medeiros e Tiago Morato Maciel, foi no dia 7 de fevereiro, no município de São Vicente. Na ocasião, os dois PMs foram à casa que seria da companheira do assassino de um policial, morto no dia 2 daquele mês, que motivou a Operação Verão. Lá mataram um homem que tinha passagem anterior pelo sistema prisional, Hildebrando Simão Neto, e uma testemunha de sua morte, Davi Gonçalves Junior. Hilderbrando tinha a visão seriamente comprometida, com cerca de 30 centímetros de acuidade visual.
Em um intervalo de menos de 9 minutos, os policias fizeram cinco disparos, o que resultou na morte dos dois envolvidos. Segundo o MP, a versão de Medeiros e Maciel foi de confronto seguido de morte, e as vítimas estavam armadas. A promotoria diz que as armas não eram dos acusados, e as condições, inclusive os ferimentos, indicam execução. Os policiais estavam com as câmeras corporais descarregadas. Também foram apontados os policiais Rodrigo Oliveira Sousa e Diego Barbosa Medeiros, que não foram acusados porque não tiveram envolvimento com as mortes.
O advogado da família de Davi, Rui Elizeu, elogiou a investigação, dizendo que o procedimento de investigação criminal foi feito com apuração bem minuciosa. "Demorou bastante, porém, foi bem detalhado, e chegaram à denúncia por conta dos indícios, indiscutíveis. Agora vamos nos habilitar como parte da acusação, pois a família quer saber, é bastante humilde. Queremos que os dois policiais sejam encaminhados ao júri e respondam pelo homicídio", disse o advogado, que representa Nilza, a mãe de Davi.
Elizeu é também advogado de defesa da família de um homem que foi morto à luz do dia, quando atuava em uma frente de trabalho da prefeitura, e foi alvejado com dois tiros, ficando entre a vida e a morte. Parte do confronto, ocorrido na mesma época, foi registrada em vídeos pessoas que estavam no local. Nesse caso, a promotoria pediu o arquivamento do inquérito.
A Agência Brasil procurou a defesa dos policiais acusados, mas ainda não obteve retorno. Os defensores ainda têm prazo legal para se manifestar dentro do processo.
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