
Em audiência pública promovida pela Comissão Agricultura de Reforma Agrária (CRA) do Senado na tarde desta terça-feira (9), especialistas destacaram a importância da regularização fundiária na região amazônica e fizeram sugestões a um projeto de lei que trata do assunto ( PL 4.718/2020 ).
Eles também manifestaram preocupação com o trecho do projeto que prevê que a regularização fundiária será responsabilidade da Justiça, e não mais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
O autor do projeto de lei é o senador Marcos Rogério (PL-RO). A matéria está em análise na CRA, onde seu relator é o senador Jayme Campos (União-MT).
A audiência aconteceu a pedido do senador Beto Faro (PT-PA), que a solicitou por meio do requerimento REQ 49/2025 - CRA . Ele disse que a regularização fundiária é um assunto urgente para toda a região amazônica.
— Trata-se de um projeto muito importante, pois é uma região muito grande [a região amazônica]. São milhões de hectares de terra e muitas vidas na região — destacou ele ao recomendar que a proposta seja votada logo após a volta dos trabalhos parlamentares em 2026.
Beto Faro lembrou que, depois da CRA, o projeto será analisado em outro colegiado da Casa: a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde receberá decisão terminativa .
Assim, a não ser que haja recurso, o texto não irá a votação no Plenário do Senado — se for aprovado na CCJ, a matéria será enviada diretamente à Câmara dos Deputados. Por isso, argumentou, o debate nas comissões do Senado precisar ser aprofundado.
Para o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), a situação da regularização fundiária é complexa, pois, apesar de o Brasil ter um amplo território, há sempre dificuldade para se apontar qual terra é pública ou privada. Ele admitiu que há problemas nos processos de regularização, mas reconheceu que os governos vêm trabalhando no assunto ao longo dos anos.
O presidente da CRA, senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), foi quem conduziu o debate.
Para os debatedores, uma das principais questões relacionadas ao projeto de Marcos Rogério é a regularização fundiária — que, de acordo com a proposta, seria tratada diretamente na Justiça. Atualmente, isso é competência do Incra.
O senador Beto Faro, que solicitou a audiência, esteve entre os que defenderam o fortalecimento do Incra. A mesma opinião foi apresentada por Carlos Gondim, consultor jurídico do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.
Ao manifestar preocupação com a previsão de que a Justiça seria a responsável pela regularização fundiária, Gondim afirmou que o projeto está “jogando no colo do Judiciário” o combate à grilagem de terras — medida que, segundo ele, poderia causar atrasos no processo de regularização.
— O projeto fere a separação de Poderes ao atribuir atividades tipicamente administrativas, próprias do Executivo, ao poder Judiciário. A solução para agilizar a regularização fundiária é fortalecer o Incra, com mais servidores e recursos de tecnologia — declarou o consultor.
No entanto, Érico Melo Goulart, assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), disse que o projeto não tira competências do Incra, e, em vez disso, permite “uma válvula de escape” para quem busca emitir seu título. Para ele, a proposta tem o mérito de combater a morosidade do Estado.
— Se a gente não pensar em um plano B, a regularização vai ficar para trás. Há muitos pedidos de regularização no Incra há muitos anos e isso não avança — ressaltou.
Adjunto do Advogado-Geral da União (AGU), Júnior Divino Fideles pediu uma reflexão dos senadores sobre a possibilidade de a regularização fundiária ser responsabilidade direta da Justiça. Para Fideles, é preciso pensar se a transferência dessa responsabilidade do Incra para a Justiça vai trazer a agilidade pretendida.
Ele reconheceu que o Estado precisa de celeridade no processo de regularização das terras da região amazônica. Mas observou que o projeto parece buscar a judicialização, quando a tendência mundial é procurar meios de evitar isso.
— Estamos beirando dois séculos que não conseguimos ordenar adequadamente o nosso território e nem dar uma destinação segura às terras públicas — ponderou Fideles, que disse preferir não se posicionar se é contra ou a favor do projeto.
Representante do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Daniela Ferreira dos Reis avalia que a regularização fundiária sob responsabilidade direta da Justiça, conforme prevê o projeto, pode enfrentar problemas pela dificuldade de acesso da população ao Judiciário na região amazônica.
— A judicialização vai gerar um abarrotamento dos processos. A região amazônica é complexa e o Incra tem hoje o melhor adensamento técnico, base de dados e a governança da região — afirmou.
Daniela é coordenadora-geral de Justiça Socioambiental e Direitos Territoriais da Diretoria de Promoção de Acesso à Justiça do ministério.
Representante do Ministério Público Federal (MPF), Michel François Drizul Havrenne declarou que a regularização fundiária é uma das mais importantes políticas públicas do país. Ele enfatizou que a regularização fundiária é uma política de Estado de arrecadação de terras que descumprem sua função social, a serem posteriormente destinadas a pessoas com vocação agrícola. Também lembrou que a medida pode ocorrer em terras originariamente públicas.
— Tem um elo com a reforma agrária, pois pretende modificar a estrutura fundiária do Brasil. Daí a dimensão dessa política para o país — afirmou Havrenne, que é procurador da República e coordenador da Comissão de Terras Públicas da 1ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF.
Havrenne salientou a importância do projeto, mas fez algumas sugeriu mudanças no texto. Para ele, o pedido de regularização pela via judicial deveria ser feito depois de um prazo para a ação administrativa por parte do Incra. O procurador também defendeu uma alteração no texto para deixar claro que o MPF será sempre ouvido em processos de regularização de terras.
Além disso, ele manifestou preocupação com a previsão de que a Justiça Estadual possa tratar de questões fundiárias. O projeto prevê essa possibilidade em áreas onde não houver uma unidade da Justiça Federal. Para Havrenne, isso é um caso de vício de constitucionalidade.
O secretário nacional de Direitos Territoriais Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, Marcos Kaingang, pediu atenção especial dos senadores com a forma como a regularização fundiária atinge as terras indígenas.
O diretor do Departamento de Ordenamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marcelo Mateus Trevisan, também participou da audiência.
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