Impactos tarifários que recaem sobre consumidores de energia em razão do ressarcimento a geradores eólicos e solares por limitações de produção, foram o tema da audiência pública realizada pela Comissão de Infraestrutura (CI) nesta terça-feira (30). Entre outros pontos, os participantes da audiência apontaram possíveis ameaças ao Sistema Elétrico Nacional e defenderam investimentos para a evolução dessa matriz elétrica.
Eles debateram a restrição da produção de energia — o curtailmentouconstrained off —, que é o mecanismo usado pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) quando há limites operacionais na rede elétrica ou outras razões externas que impedem o funcionamento da usina de energia. Nesse caso, a usina poderia produzir eletricidade, mas não tem como funcionar por limitações na rede, como falta de infraestrutura para transportar a energia, ou baixa demanda, entre outros motivos. A usina eólica ou solar, mesmo que apta a funcionar, é obrigada a interromper sua produção. E por isso é ressarcida.
O diretor-geral do ONS, Márcio Rea, disse que o órgão faz a gestão dos excedentes de energia, salientando que a operação do Sistema Elétrico Nacional se tornou mais complexa nos últimos anos. O aumento de fontes de energia intermitentes, segundo ele, resultou em desafios como o excesso da oferta especialmente durante o dia, das 9h às 16h.
— Atualmente, o ONS não possui mecanismos técnico-regulatórios para fazer essa regulação, e a gente vê um cenário cada vez mais desafiador para o futuro. Projeções indicam que, até 2029, apenas 45% da capacidade instalada de geração do país estará sob coordenação do ONS. Esse cenário reforça a urgência de debates, buscando equilibrar responsabilidades e garantir a eficiência operacional — explicou.
Assessor do diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Julio César Rezende Ferraz apontou que o incentivo à geração eólica e solar, observado nos últimos anos, resultou em problemas financeiros. Segundo ele, alguns geradores que têm tido esses prejuízos defendem que os custos sejam repassados. Outro problema, disse, tem caráter técnico, já que essa oferta de energia intermitente não é controlável e impede a manutenção da segurança do sistema elétrico.
— Por duas vezes, só neste ano, o ONS chegou muito perto de perder a capacidade de controlar o sistema. Isso não se resolve única e exclusivamente com 'discussões filosóficas', mas as 'discussões filosóficas' são importantes para evitar que o problema se agrave. Não existe uma 'bala de prata', mas precisaremos ter razoabilidade para entender os diversos pontos de vista e identificar qual a solução mais razoável para todo o Brasil.
Representante da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage), Marisete Pereira, afirmou que o tema tem gerado grandes preocupações porque a expansão da matriz energética menos do que o requerido, e mesmo assim de modo desordenado. Segundo ela, o Sistema Elétrico Nacional tornou-se deficitário. Entre 2022 e 2024, as perdas com os cortes de geração resultaram em “um desperdício inaceitável em um país que busca a segurança e a sustentabilidade, em um contexto de transição energética”.
— Temos uma expansão desordenada porque os desarranjos nessa expansão têm resultado em cortes de geração. E tudo isso traz prejuízos para os consumidores. É preciso tratar os efeitos dos cortes que o país já sofreu e desenvolver solução para evitar seu agravamento no futuro — afirmou.
Marisete sugeriu medidas que podem resultar em uma solução equilibrada do problema, como valorizar a geração hidrelétrica por seus benefícios ao consumidor e segurança ao sistema; reequilibrar oferta e demanda de forma coordenada e estrutural, sob a perspectiva da matriz; otimizar o uso de todas as fontes, fomentando competição e segurança ao sistema; e alinhar a formação de preços à realidade da operação, com sinais econômicos eficientes e remuneração adequada pelos serviços prestados.
Diretor-presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (Apine), Rui Altieri afirmou que ocurtailmentgera impactos financeiros para todas as fontes de geração, desorganiza contratos, amplia encargos, cria incerteza para investidores e compromete a viabilidade financeira dos empreendimentos. Segundo ele, a repetição desses episódios reforça a urgência de ajustes regulatórios. Ele defendeu a revisão do modelo e o rateio dos cortes entre a população.
— Em 2025, ocurtailmentjá ultrapassa 20% da energia produzida, consolidando-se como um problema estrutural. A Micro e Minigeração Distribuída [MMGD], sustentada por subsídios, cresce de forma desordenada, ampliando os cortes de geração em determinadas horas do dia. Isso provoca a necessidade de utilização de usinas térmicas em outras horas, quando não há sol, pressionando ainda mais os custos do sistema.
Segundo o diretor do Departamento de Políticas Setoriais do Ministério de Minas e Energia (MME), Frederico de Araújo Teles a pasta entende a necessidade de estudos de planejamento para a expansão da transmissão e informou que está em andamento uma licitação para instalação de compensadores na Região Nordeste, que deve resultar em diminuições nos cortes de fornecimento.
— Outras questões de planejamento devem ser resolvidas no começo de 2026: mais expansões a serem previstas no plano de outorgas, análise de mitigação de cortes e identificação de melhorias para expansão do sistema. Estamos tratando também da exportação de energia elétrica, principalmente para Argentina e Uruguai, o que também pode minorar os cortes de geração.
A reunião foi conduzida pelo presidente da comissão, senador Marcos Rogério (PL–RO). Para ele, é necessário avaliar os impactos contratuais, os encargos tarifários e as consequências do curtailment.O senador ponderou que o Brasil incentivou a expansão das energias renováveis, mas isso representa também um desafio, já que os subsídios a essas fontes pesam na conta de energia paga pela população. Devido à complexidade do tema, Marcos Rogério adiantou que vai propor pelo menos quatro outros debates sobre o assunto na comissão.
— Estamos diante de um cenário desafiador. Aquilo que parece ser vantagem hoje, me parece ser um problema a surgir mais à frente. Teremos que voltar ao assunto: [vamos] promover mais três ou quatro debates [na CI], com questionamentos técnicos [...] para nos aprofundarmos no assunto — declarou, manifestando preocupação pelo prejuízo das empresas ser pago pela população. Segundo Marcos Rogério, existe uma mobilização de agentes do setor para que esses custos também passem a ser cobertos pelos Encargos de Serviços do Sistema (ESS), o que também representaria mais um repasse financeiro aos consumidores.
Para Luiz Eduardo Barata, da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, é inaceitável que os custos pelo corte de geração de energia sejam pagos pelos consumidores. Segundo o convidado, embora o Brasil tenha condição de repassar uma das menores tarifas no mundo, não é isso se observa na prática.
— Os custos serem imputados aos consumidores de energia não resolve esse problema que, na verdade, vai continuar aumentando. Essa é a nossa grande preocupação. Se não houver uma grande mobilização [em busca de solução], a conta vai para alguém pagar, e entendemos que nós, os consumidores, não merecemos e não devemos pagar nem mais um tostão.
O senador Jayme Bagattoli (PL-RO) comentou que o Brasil tem crescido pouco no setor da energia solar e eólica, o que desestimula também o crescimento da indústria.
— Além de a energia solar gerar somente durante o dia, no Norte [...] temos cinco ou seis meses em que essa geração é bem pequena, porque chove muito. Uma grande preocupação das empresas que querem se instalar aqui é como gerar energia própria. Precisamos encontrar um denominador porque, caso contrário, podemos entrar num colapso nessa situação.
O senador Lucas Barreto (PSD-AP) destacou o envolvimento de seu estado na temática, por ser, de acordo com ele, o segundo da Amazônia em geração de energia hidrelétrica. O parlamentar ponderou que, apesar de ser grande um fornecedor, por meio de quatro hidrelétricas, o estado paga 37% de taxa de transporte de energia. Desse total, conforme Lucas Barreto, 7% só deveriam ser cobrados se houvesse um backup do Linhão de Tucuruí, o que não existe ainda.
— Propuseram um aumento de 12% na conta de energia da população, o que ninguém aguenta mais. Só existem dois lugares mais quentes do que o Amapá: o Piauí e o sol, porque estamos na linha do Equador, um forno, onde ar condicionado e ventilador não é luxo, é necessidade.
Também participaram do debate representantes do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape), da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), do Instituto Acende Brasil, do Instituto Nacional de Energia Limpa (Inel), entre outros.
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