Quinta, 28 de Agosto de 2025

Jurisdição em disputa: tribunais enfrentam desafios de PI

Tema de propriedade intelectual foi debatido no 45º Congresso Internacional da ABPI, em São Paulo, após decisão do STF sobre limites da eficácia de...

28/08/2025 às 10h27
Por: Redação Fonte: Agência Dino
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ABPI
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O avanço das disputas internacionais em torno da propriedade intelectual (PI) tem colocado à prova a atuação e a autonomia dos tribunais brasileiros. A natureza territorial dos direitos de propriedade intelectual entra em choque com a crescente internacionalização de atividades econômicas dependentes de padrões tecnológicos de alcance global, como 5G e Wi-Fi. Nesse cenário, o desafio é assegurar a eficácia de decisões nacionais envolvendo patentes brasileiras diante da pressão imposta por autoridades judiciárias estrangeiras.

Embora não tratasse diretamente de patentes, essa tensão entre a soberania nacional e ordens vindas do exterior esteve no centro da decisão proferida pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), na segunda-feira (18). O caso envolveu medida cautelar expedida pela Justiça inglesa que buscava impor a entes públicos e privados brasileiros a obrigação de não litigar no Brasil.

O assunto foi tema do painel “Eficácia das decisões em matéria de PI e a manutenção da soberania dos tribunais brasileiros”, realizado nesta terça-feira (19), no 45º Congresso Internacional da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI), em São Paulo. Mediada pelo advogado Eduardo Hallak, sócio do escritório Licks Attorneys, a mesa contou com a participação da juíza federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), Marcia Nunes de Barros, e da professora de Direito Internacional Privado da PUC-Rio, Nadia de Araujo.

Em sua abertura, Eduardo Hallak explicou o contexto da decisão do STF. “Trata-se de uma ADPF ajuizada pelo Ibram para declarar a inconstitucionalidade da atuação de municípios que buscaram litigar fora do país fatos ocorridos em território nacional. Mas, paralelamente, os municípios obtiveram na Justiça inglesa uma medida cautelar contra o Ibram, obrigando-o a desistir de um pedido feito aqui no Brasil. A decisão favorável da corte inglesa foi justamente o gatilho para a manifestação do ministro Flávio Dino. Ao rejeitar a aplicação automática dessa determinação no território nacional, o ministro reafirmou que apenas o Judiciário brasileiro pode definir os efeitos de decisões estrangeiras, em respeito ao artigo 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e ao artigo 960 do CPC”, avaliou.

Com efeito, por determinação constitucional, cabe ao STJ o importante papel de filtrar o recepcionamento de decisões estrangeiras no ordenamento brasileiro, explica a professora Araujo. Sem a homologação, o provimento estrangeiro não é passível de produzir efeitos. Embora não trate de patentes, a decisão do ministro Flávio Dino traz à tona o crescente desafio dos tribunais brasileiros: assegurar a validade de sua atuação dentro do território nacional e, ao mesmo tempo, dialogar com regimes internacionais e decisões estrangeiras.

No âmbito de litígios transnacionais, a situação ganha ainda mais complexidade com a proliferação de medidas chamadas “antiprocessuais”, adotadas em jurisdições estrangeiras. Entre elas, a anti-suit injunction (ASI), que determina que uma das partes não inicie ou suspenda uma ação em outro país; a anti-anti-suit injunction (AASI), voltada a neutralizar uma ASI; a anti-enforcement injunction (AEI), que impede os efeitos de uma medida antiprocessual; e a anti-interference injunction (AII), voltada a proteger processos específicos de interferências externas.

“Qualquer tecnologia de celular hoje envolve milhares de patentes. Não se trata de licenciar uma única patente, mas de negociar a totalidade delas. E as medidas antiprocessuais acabam gerando escaladas, verdadeiras guerras, com litígios intermináveis que comprometem a confiabilidade do sistema judiciário e criam insegurança”, afirmou a magistrada brasileira.

A professora da PUC-Rio lembra ainda que esses instrumentos são comuns em países de tradição common law – como Estados Unidos e Inglaterra – mas não possuem previsão no ordenamento brasileiro.

“Na prática, eles criam assimetrias que fragilizam a autonomia jurisdicional nacional”, explica, defendendo que a cooperação internacional é indispensável e que o caminho para resoluções passa, necessariamente, por soluções multilaterais que assegurem a preservação da soberania sem abrir mão da cooperação. “Seria fundamental que os países avançassem na negociação de uma convenção internacional ou mesmo de uma lei-modelo, para que tivéssemos parâmetros comuns. Sou partidária de uma solução construída nesse plano internacional”, conclui.

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