As discussões preparatórias à 4ª Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ aumentam à medida que se aproxima a realização da 4ª edição do encontro. Começam a ser desenhadas propostas de ação que vão nortear a construção de políticas no setor nos próximos anos. O encontro de 2025 será entre os dias 21 e 25 de outubro, em Brasília.
Com o tema “Construindo a Política Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+” a conferência, proposta pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e pelo Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ , contará com 1.212 delegados, eleitos nas conferências locais e estaduais, e com os 76 membros do conselho, também delegados. Mais 100 convidados terão direito a voz nos espaços constitucionais do evento e outros 100 participantes serão observadores.
As conferências Livres e Locais já ocorreram. Atualmente estão sendo realizadas as estaduais, tendo o Acre, Mato Grosso e o Distrito Federal concluído as suas edições. As datas das demais, que serão feitas até o final de agosto, estão no site do encontro .
A divisão dos delegados é proporcional à quantidade de habitantes de cada unidade federativa, mas as conferências terão igualdade em número de proposições, quatro para cada um dos quatro eixos temáticos da conferência, que são: enfrentamento à violência; trabalho digno e geração de renda; interseccionalidade e internacionalização; institucionalização da Política Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+. Os eixos terão as propostas discutidas na conferência, em quatro grupos de trabalho de cada eixo, a partir dos quais as propostas serão submetidas a todos os delegados.
Esse modelo de conferência tem sido utilizado há décadas em outros espaços de democracia direta, como o Orçamento Participativo e as conferências de Saúde e Educação . Nas conferências anteriores de Direitos das Pessoas LGBTQIA+, também não se tratava de uma novidade, mas havia menos delegados.
As conferências do segmento sempre foram marcadas por um intervalo de alguns anos, tendo sido realizadas em 2008, 2011 e 2016.
Na primeira edição, em 2008, participaram pouco mais de 500 delegados. Entre as propostas que surgiram houve a de criação de um órgão específico, dentro da esfera federal, com recursos próprios, para tratar das políticas públicas das pessoas LGBTQIA+; a construção do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos das Pessoas LGBTQIA+; a pressão pelo cumprimento dos objetivos do Programa Brasil sem Homofobia; a proposição de leis que garantissem direitos a essa população; e a criação do Conselho Nacional LGBTQIA+.
Três anos depois, a conferência realizada em dezembro de 2011 avaliou os avanços após o encontro de 2008 e avançou na construção de novas propostas, como a criação do Comitê Nacional de Políticas Públicas LGBT e do Sistema Nacional de Promoção de Direitos e Enfrentamento à Violência, instituído pela Portaria nº 766/2013 .
A terceira conferência, em 2016, produziu 192 resoluções voltadas a diversos ministérios, e foi um dos eventos responsáveis por consolidar o uso do termo “LGBTfobia” na esfera institucional. Paradoxalmente, foi o encontro com mais delegados até então, 845.
“As conferências anteriores já resultaram em importantes avanços concretos para a comunidade LGBTQIA+. Além dos instrumentos nacionais mencionados, houve fortalecimento institucional, como o Programa Brasil Sem Homofobia e os relatórios de violência homofóbica. As políticas públicas também começaram a ser definidas com base nas diretrizes pactuadas nesses espaços, promovendo maior visibilidade, acolhimento e proteção à população LGBTQIA+. As conferências estaduais de 2024, nos estados do Amapá, Rio Grande do Norte e Alagoas, estão sendo retomada em 2025, com o estado do Acre reafirmando esse papel estratégico, onde debates qualificados têm produzido propostas robustas nas áreas de enfrentamento à violência, empregabilidade, saúde, educação e institucionalização de políticas específicas.”, disse em nota o Ministério dos Direitos Humanos à Agência Brasil .
A proposta do órgão é retomar o processo de participação direta para o segmento, por meio de conferências, que reconhece como “instrumentos legítimos de construção de políticas públicas, de controle social e de construção coletiva de cidadania” . Isso consolida o amadurecimento de ferramentas de participação direta e de construção de instrumentos consultivos e deliberativos que vinham crescendo desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, com destaque para os processos de participação em conferências descentralizadas e de construção de orçamentos participativos durante os anos 2000 e 2010.
As conferências nacionais de participação popular foram instrumento importante dos primeiros governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“De 2003 a 2010, realizamos 64 conferências sobre as mais diversas políticas públicas federais, desde as de assistência social, saúde e educação até as de igualdade racial, direitos das mulheres e da população LGBT, passando pelas de meio ambiente, reforma agrária, cultura e juventude, entre tantas outras”, afirma Luiz Dulci, na época ministro da Secretaria-Geral da Presidência. Cada conferência tinha sempre três etapas: municipais, estaduais e nacional. “No total, esse vasto processo democrático mobilizou mais de 5 milhões de pessoas em todo o país, dando forte respaldo às propostas aprovadas, que o governo se empenhava em incorporar a seus programas e planos de ação”, complementa.
Prevista para 2018, a 4ª edição foi descontinuada na gestão Michel Temer e não houve esforços para sua realização no governo de Jair Bolsonaro. Não há certeza se a edição atual terá propostas para garantir instrumentos para sua continuidade.
“Nos governos do presidente Lula (nos dois mandatos) e posteriormente no governo da presidente Dilma Rousseff, houve grandes avanços, especialmente com a institucionalização das conferências como espaços fundamentais de debate e formulação de políticas públicas. A partir delas, foram elaboradas políticas de reparação, reconhecimento de identidades de gênero e raça, e criados programas importantes, como o Brasil Sem Homofobia, centro de referência entre outros”, explicou Rogério Sottili, diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog, uma das organizações que participam da realização da conferência deste ano.
Logo após o impeachment da presidente Dilma Rousseff ocorreu uma interrupção na participação da sociedade e dos movimentos sociais na construção de políticas públicas, segundo Sottili, compreensão amplamente difundida entre partidos, estudiosos e defensores dos direitos humanos.
“Com o governo Bolsonaro, essa participação foi completamente estancada. As conferências foram descartadas, literalmente jogadas no lixo, e a participação da sociedade civil foi interrompida. Pior do que isso, os movimentos sociais e a sociedade civil passaram a ser considerados “inimigos”. As políticas públicas deixaram de ser resultado da escuta social e passaram a refletir apenas a visão de quem estava no governo — e, no caso da pauta LGBTQIA+, pessoas que eram declaradamente contrárias ao reconhecimento e à existência dessa população”, lembra o diretor..
A expectativa do ministério é de que a conferência de 2025 estabeleça as diretrizes para o Plano Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ e fortaleça os mecanismos de controle social. Segundo a pasta “a paridade, transparência e diversidade de representação são princípios fundamentais desse processo democrático”.
Além do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, estão envolvidos na realização da conferência mais 19 ministérios e 6 entidades públicas que compõem o Conselho Nacional LGBTQIA+ e participam das subcomissões que organizam o encontro.
“Um exemplo marcante do que significa a verdadeira construção de política pública com participação social foi o reconhecimento do nome social para pessoas LGBTQIA+, aprovado na última conferência de direitos humanos no governo da presidente Dilma Rousseff. Inicialmente, ela havia rejeitado a proposta por não compreender sua importância no serviço público. Diante disso, a conferência se mobilizou intensamente, pedindo uma reunião direta com a presidente para explicar por que o nome social era fundamental na luta contra a discriminação e pelo reconhecimento da população LGBT, lembrou Rogério Sottili.
A reunião foi coordenada por ele, que era secretário especial de Direitos Humanos, e contou com representantes de 15 estados e mais de 30 lideranças LGBTQIA+. Foram duas horas de diálogo direto com a presidente. Ao final, Dilma entendeu a importância da pauta e assinou o decreto que instituiu o nome social. Isso é participação social. Isso é política pública construída a partir da escuta da sociedade civil. E é por isso que políticas públicas adequadas só podem ser elaboradas com essa escuta ativa e democrática.", disse ele à Agência Brasil.
Luiz Dulci destaca a importância da ampliação das conferências neste momento. Ele considera que nos dois últimos governos a participação popular foi praticamente extinta.
“O que era voluntário foi abolido, e o que era obrigatório por lei, esvaziado. Conselhos, mesas de diálogo, ouvidorias, conferências deixaram de existir. É por isso que saudamos com entusiasmo e apoiamos ativamente as tentativas de retomar o processo de conferências. O Brasil precisa de uma cidadania ativa. A participação popular é vital para fortalecer a democracia e impulsionar o desenvolvimento do país”, afirma o ex-ministro.
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