Nascido na favela, marginal, alvo de preconceitos, associado ao erotismo, à violência e à criminalidade, criticado, perseguido e no topo das paradas da música pop internacional. Esseé ofunk, gênero musicalque, na última semana, teve umasérie exibida pelaTV Brasil-Funk: das favelas do Brasil para o mundo. Os episódios estão disponíveis na íntegra no Youtube .
“O preconceito que o gênerosofre hoje é o que a capoeira e o samba já sofreram”, diz o pesquisador e professor de música Thiagson. Apesar disso, está entre os ritmos brasileiros mais tocados no exterior, de acordo com a plataforma Spotify, e ganha cada vez mais ouvintes.“A gente tem Anitta, Ludmila, MC Carol, que são funkeiras desde muito tempo, mas ainda falta”, diz a MC Natitude.
Neste ano, o álbumFunk Brasil Vol. 1, do DJ Marlboro, lançado em 1989, completa 34 anos. O disco é considerado o marco zero dofunkbrasileiro. O disco nasceu de um encontro. Certo dia, no ano de 1986, o antropólogo Hermano Vianna presenteou o DJ Marlboro com uma pequena bateria eletrônica Boss DR-110, tirada do estúdio do seu irmão Herbert Vianna, do Paralamas do Sucesso.
“O Hermano Vianna me procura na rádio, ele ouvia meu programa e estava fazendo a tese de mestrado, ele queria que eu o levasse aos bailes. Um belo dia me dá a bateria eletrônica.Cara, acendeu a primeira eureca”, diz Malboro. O disco, que tinha letras exclusivas em português, sofreu resistência das gravadoras e do próprio movimentofunk, até entãomais voltado para a música internacional. Maso disco foi um sucesso, com milhares de cópias vendidas.
Desde a década de 80, Malboro prevê que ofunkvai se espalhar. “O futuro dofunk, eu já previa. Sabia que ia cada vez mais se popularizar e se transformar em música pop dançante com batida defunk. Continuar sendo voz dos excluídos”, diz. O movimento se espalha, então, do Rio de Janeiro para São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santos, Pernambuco e outras capitais.
“Quanto mais artistas tinha na favela, menos violenta ela era. Vão surgindooutras pessoas como exemplo de vida de ascensão, de cidadania, de vida melhor”, acrescentaMalboro.
Com milhões de ouvintes e de visualizações em clipes, ofunkmovimenta a economia. São vários os projetos, as gravadoras e as produtoras voltadas para o gênero musical. Entre os projetos citados nas reportagens da TV Brasil estão o Rede Funk Social, em São Gonçalo (RJ), o Projeto Estudeofunk, no Rio de Janeiro, Enxame de MC, em Recife, Pernambuco e KondZilla, que é o maior canal de música da América Latina.
“A KondZilla nasce nesse lugar de repensar como ofunké visto e é reproduzido. É posicionar nossos artistas, nosso movimento, as pessoas que constroem esse movimento dofunknum lugar de artistas que têm que ser legitimados e reconhecidos pela arte que fazem”, diz agerente de artistas e repertório da KondZilla, Rachel Daniel.
Ofunkmudou vidas, como a da bailarina e educadora Lilian Martins, criada em Pedreira, zona sul da cidade de São Paulo. “Eu sempre fui para o bailefunk, desde pequenininha, sempre assisti. Depois, com meus 15, 16 anos comecei a frequentar os bailes. Mas, eu ia de bicicletinha, ficava escondida atrás do carro e sempre via o baile como um grande espetáculo”, conta.
Ela faz parte daClarín Cia de Dança, que levou o passinho ao palco do Theatro Municipal de São Paulo, com adaptação do espetáculoOu 9 ou 80. O 9 faz referência ao Massacre de Paraisópolis , na zona sul da cidade de São Paulo, quando nove jovens foram mortos em ação policial no bailefunkDZ7 em Paraisópolis.Já o 80faz referência ao assassinato do músico Evaldo dos Santos Rosa, 51 anos, em decorrência de uma operação do Exército, em Guadalupe, zona oeste do Rio de Janeiro. O carro de Evaldo foi atingido por mais de 80 tiros de fuzil, disparados pelos militares .
“As pessoas da comunidade não acreditam na própria potência. A gente cresceu ouvindo que ofunktinha criminalidade, inúmeras coisas que acontecem, mas nunca como expressão cultural. Eu sou a prova viva de que ofunkmudou minha vida”, diz Martins.
A série é dividida em cinco episódios. O primeiro aborda o surgimento do ritmo; o segundo, ofunkcomo expressão de identidade; o terceiro, as polêmicas e preconceitos; o quarto, a cadeia produtiva e a economia; e, o último, o futuro dofunke o impacto social.
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