O Projeto de Lei Complementar (PLP) 125/22 cria o Código de Defesa do Contribuinte. Um dos principais focos está nos chamados devedores contumazes — empresas que usam a inadimplência fiscal como estratégia de negócio e deixam de pagar tributos de forma reiterada e sem justificativa.
O texto, apresentado pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e já aprovado pelo Senado Federal, está em análise na Câmara dos Deputados.
O projeto traz normas sobre direitos, garantias e deveres dos cidadãos na relação com o Fisco. O texto reúne sugestões elaboradas por uma comissão de juristas criada em 2022 para modernizar o processo administrativo e tributário brasileiro.
A versão que chega à Câmara inclui medidas para coibir fraudes como as descobertas pela operação “Carbono Oculto”, da Polícia Federal, que investigou lavagem de dinheiro via fundos de investimentos. Traz ainda regras como programas de conformidade tributária que favorecem bons pagadores, com benefícios como um bônus pelo pagamento em dia dos tributos, que pode chegar a R$ 1 milhão anualmente.
Devedor contumaz
Em um de seus pontos, o projeto torna mais rígidas as regras para os chamados devedores contumazes ou aqueles que usam a inadimplência fiscal como estratégia de negócio. O contumaz é quem age com intenção, em clara concorrência desleal com os que cumprem as obrigações fiscais.
No projeto, o devedor contumaz é definido, em âmbito federal, como o contribuinte com dívida injustificada, superior a R$ 15 milhões e correspondente a mais de 100% do seu patrimônio conhecido. Em âmbito estadual e municipal, o texto considera como devedor contumaz quem tem dívidas com os fiscos de forma reiterada (por pelo menos quatro períodos de apuração consecutivos ou seis alternados no prazo de 12 meses) e injustificada.
Os valores para a caracterização desse devedor com relação aos fiscos estaduais e municipais serão previstos em legislação própria para esse fim. Caso isso não ocorra, será aplicada a mesma regra prevista para a esfera federal.
Exceções
Para descaracterizar a situação de contumácia, o contribuinte pode alegar a ocorrência de estado de calamidade reconhecido pelo Poder Público; a apuração de resultado negativo no exercício financeiro corrente e no anterior, sem indícios de fraude ou má-fé; e, no caso de execução fiscal, ausência da prática de fraude.
O devedor contumaz não poderá ter benefícios fiscais, participar de licitações e firmar contratos com a administração pública ou propor recuperação judicial. Além disso, poderá ser considerado inapto no cadastro de contribuintes, o que gera diversas restrições à empresa.
O projeto prevê a aplicação do rito simplificado do contencioso administrativo aos devedores contumazes. A intenção é fazer com que os recursos sejam analisados mais rapidamente para evitar prejuízos ao ambiente concorrencial.
Suspensão
O texto traz ainda as regras do processo administrativo para identificação do devedor contumaz. Entre elas está o prazo de 30 dias a partir da data da notificação para regularizar a situação. Dentro desse prazo, o contribuinte poderá apresentar defesa com efeito suspensivo do processo.
A suspensão do processo, no entanto, não poderá ser aplicada em alguns casos, como indícios da criação da empresa para a prática de fraude ou sonegação fiscal, evidências de participação em organização criada para sonegar tributos, venda ou produção de mercadoria ilegal, uso de laranjas e domicílio inexistente.
Mudança no Senado
Durante a análise da proposta pelo Senado, o relator, senador Efraim Filho (União-PB), explicou que muitas dessas empresas são concebidas para a prática do crime, formalizadas em CPFs de terceiros e laranjas, que muitas vezes sequer sabem que respondem por aquela empresa.
“Elas já nascem com patrimônio desconhecido. São empresas que se chamam, no jargão, empresas casca de ovo, ou seja, é frágil, por dentro não existe nada, é só no papel”, disse.
Uma mudança feita por Efraim acabou com a regra que possibilitava extinguir a punibilidade no caso de pagamento dos tributos. Assim, o fato de alguém deixar de ser um devedor contumaz não impede que receba as punições previstas no Código Penal para o crime de apropriação indébita.
ANP e fintechs
Fraudes descobertas pela operação “Carbono Oculto”, da Polícia Federal, também influenciaram a redação do projeto. A operação investiga lavagem de dinheiro via fundos de investimentos com o envolvimento de distribuidoras de combustível usadas pela facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).
Por essa razão, o projeto confere à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a competência para estabelecer valores mínimos de capital social, exigir comprovação da licitude dos recursos e identificar o titular efetivo das empresas interessadas. A intenção é inibir a atuação dos chamados “laranjas” e diminuir o risco de apropriação do mercado por organizações criminosas.
O projeto também exige que as instituições de pagamento e os participantes de arranjos de pagamentos ( fintechs ) cumpram as normas e obrigações acessórias definidas em regulamento pelo Poder Executivo. A medida busca ampliar o controle de movimentações financeiras para prevenção à lavagem de dinheiro.
O termo “fintech” se origina do inglês financial technology , ou seja, tecnologia financeira, e faz referência a empresas jovens de base tecnológica que trazem inovações para os serviços do mercado financeiro.
Bons pagadores
Uma das novidades favoráveis ao contribuinte é que o bom pagador poderá ter vantagens. Entre elas:
Programas de conformidade
A última versão do projeto, aprovada pelo Senado, institui programas de conformidade tributária, que podem melhorar a relação entre o fisco e os contribuintes.
O texto cria três programas de conformidade tributária no âmbito da União, geridos pela Receita Federal, para beneficiar empresas de todos os portes:
Entre as vantagens desses programas, estão a possibilidade de evitar penalidades e litígios, a redução de multas e juros e o direito a um bônus de adimplência fiscal, correspondente ao desconto de até 3% no pagamento à vista do valor devido da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), dentro de um limite de valor que chega a R$ 1 milhão no terceiro ano do benefício.
Outras regras
Ao estabelecer o Código de Defesa do Contribuinte, o texto lista alguns direitos dos contribuintes. Entre eles:
Deveres
Já os deveres dos contribuintes incluem o cumprimento das suas obrigações tributárias; o pagamento integral dos tributos; a prestação de informações e apresentação de documentos; a declaração das operações consideradas relevantes pela legislação; a guarda dos documentos fiscais pelo prazo determinado pela lei; e o cumprimento das decisões administrativas ou judiciais.
Órgãos tributários
O texto também traz uma lista de obrigações dos órgãos tributários, entre elas:
O projeto também obriga os órgãos tributários a priorizar a resolução cooperativa e, quando possível, coletiva, dos conflitos. Eles deverão considerar os fatos alegados pelo contribuinte que tenham afetado a sua capacidade de pagar os tributos e a possibilidade de recuperar valores questionados.
Também será necessário publicar todos os atos produzidos para a solução do conflito. Os órgãos também terão de consolidar as normas tributárias periodicamente e, caso não o façam, poderão ter que reduzir as multas aplicadas.
Próximos passos
O PLP 125/22 tramita em regime de urgência e deverá ser votado em dois turnos pelo Plenário da Câmara.
Se for aprovado sem modificações, seguirá para sanção presidencial.